ARNALDO JABOR
Sr.Juiz,ainda não sei se a Câmara dos Deputados vai me
processar, como anunciou em plenário o presidente Arlindo Chinaglia.Mas caso
V.Exa. surja à minha frente de capa negra e cenho severo, quero que saiba exatamente
do que me acusam, pois, nas palavras dos deputados e de seu presidente, eu
teria insinuado que “os deputados são todos canalhas”. Portanto, peço a V.Exa.
que leia a íntegra de meu comentário na CBN, do dia 24 de abril de 2007:
“Amigos ouvintes,
Eu
costumo colecionar absurdos nacionais que ouço, vejo ou leio nos jornais para
fazer meus comentários aqui na CBN. Muito bem. Há dias em que não sei por onde
começar. Há tantas vagabundagens neste país que só mesmo sorteando um assunto.
Eu
sorteei um que saiu no jornal O Estado de S.Paulo e acho que foi um
peixe grande.
O
amigo ouvinte já deu a volta ao mundo? Não sei se sabe que são 44 mil
quilômetros. Pois bem...
Todos
sabemos que nossos queridos deputados têm o direito de receber de volta o
dinheiro gasto em gasolina, seja indo para seus redutos eleitorais, ou para o
motel com sua amante ou seu amante. Pois bem, a Câmara, ou melhor, você e eu,
meu amigo, nós pagamos esse custo, desde que eles levem notas fiscais para
comprovar o gasto de gasosa.
Muito
bem, de novo. Vai prestando atenção.
Nos
primeiros dois meses da atual legislatura, os deputados, em dois meses apenas,
pediram o reembolso de 11 milhões e 200 mil reais, pagos com a verba da Câmara.
Os
repórteres do Estadão Guilherme Scarance e Silva Amorim fizeram as
contas e concluíram que entre fevereiro e março, com dinheiro público, os
deputados teriam gasto um milhão de litros de gasolina. Ou seja, essa
quantidade de gasolina daria para dar a volta ao mundo 255 vezes.
São
255 vezes 44.000 quilômetros, que dá a distância de 11.200.000 quilômetros. E
aí é que vem a resultante espantosa:
A
distância da terra à Lua é de 384 mil quilômetros, ou seja, senhores, senhoras
ouvintes, daria para fazer a viagem de ida e volta à Lua 15 vezes.
Será
que eu fiquei louco? Se algum matemático me ouve, verifique se estou errado.
Mas acho que não. E o procurador-geral do Tribunal de Contas da União, sr.Lucas
Furtado, denunciou-os dizendo que é uma “forma secreta de dar aumento de
salários que eles não têm como justificar” ... Será que o sr. Arlindo Chinaglia
não vê isso ou só pensa no bem do PT?
E me
digam, amigos, quando é que vão prender esses canalhas? Quando a PF vai encanar
essa gente, com humilhação? Quando?
Ah...
desculpe... eles têm imunidades e também foro privilegiado...
E isso
aí... amigos, otários como eu...”
Esse
foi o meu “crime”, Sr. Juiz. Irrefletidamente, escrevi “os deputados”, talvez
parecendo uma generalização, mas é óbvio que me referia aos autores da
falsificação de notas fiscais das viagens interplanetárias e não a todos os
parlamentares e não a todos os parlamentares, principalmente porque há alguns
que respeito profundamente – talvez não mais que uns 17, já que ultimamente
cresceu o número dos 300 picaretas referidos uma vez por nosso “grande
timoneiro”.
Além
disso, Sr.Juiz, quero deixar claro que considero o Legislativo a maior
conquista que nos legou o Império, há
mais de 150 anos, fundamental
instituição nestes tempos lulistas, bolivarianos e equatorianos, para
impedir que parlamentares sejam caçados nas ruas como ratazanas grávidas, como
acontece na Venezuela e no Equador.
Sempre
defendi o Legislativo, como aconteceu no episódio do petista Bruno Maranhão,
milionário bolchevista que invadiu a Casa. Desafio meus denunciantes,
Meritíssimo, a mostrar uma frase de meus comentários, em que expresse desejo de
que o Legislativo seja enfraquecido. Em 1996, pediram minha cabeça ao saudoso
Luis Eduardo Magalhães, quando falei que “deputados do Centrão estavam sendo
comprados como num “shopping center”. Quiseram capar-me, Meritíssimo. Nove anos
depois, vimos que eu não estava tão errado assim, com o advento épico do
mensalão, das sanguessugas e dos “dossiês”, seguidos de esfuziantes absolvições
de quase todos (os três últimos foram agora reeleitos e absolvidos pelo
“povo”). Mas, em todos meus uivos e ganidos, sempre ansiei pela pureza do
Legislativo, contra os políticos que nele entram ou para fugir da polícia ou
para viver num país paralelo, cheios de privilégios, sem pensar um minuto em
nós, que eles deveriam representar.
Em
meus devaneios românticos, sonho com Joaquim Nabuco, Tavares Bastos,Zacharias
de Góes,Ruy Barbosa e, mais modernamente, em gente como San Thiago Dantas,
Milton Campos, homens que, quando assomavam ã tribuna, o vulto de Montesquieu
brilhava no teto e invadia as galerias.
Meritíssimo
Juiz, nesses anos de comentarista nunca tive o sádico prazer de emporcalhar o
nome do Congresso, nem mesmo por falta de assunto. Neste caso, quando
denunciei, junto com o Estadão , essa fraude intergaláctica, esperava
candidamente que as notas fiscais fossem conferidas e os ladrões punidos. Não
imaginava que fossem processar o denunciante, como se fazia na antiguidade, matando-se o mensageiro de más notícias.
E
mais, Meritíssimo, se um dia os nobres deputados apresentarem projetos de Lei
para o bem dos brasileiros, condoídos com a miséria que nos rói, se um dia eu
visse alegorias patrióticas, trêmulos oradores, polêmicas sagradas, gestos
indignados pelo bem do Brasil, meus comentários virariam hinos de louvor,
panegíricos à instituição.
Assim
sendo, Meritíssimo, peço a V.Exa. que me absolva, com a mesma leniência
concedida recentemente a grande brasileiros como Waldemar da Costa Neto, Paulo
Rocha, José Janene, e tantos outros...
Agora,
se V.Exa. se decidir por minha condenação, peço-lhe um único favor,
humildemente: Condene-me a serviços comunitários, como faxineiro da Câmara dos
Deputados, e garanto aV.Exa. que varrerei a sujeira dos tapetes verdes,
lustrarei bronzes e mármores com o mesmo zelo e empenho que tenho tido ,nos
últimos 15 anos, usando apenas as vassouras da ironia e as farpas do escovão.
Atenciosamente,
Arnaldo
Jabor.